lundi 28 novembre 2022

Gostas de escrever nas margens dos livros nas margens das folhas escritas das proprias cartas que escreves às pessoas caras tu es das margens nunca estiveste no centro nunca tiveste lugar no centro das coisas e das atencoes so das tensões

desenhas o teu reflexo com palavras e vês o teu reflexo aparecer ao longo das linhas que teces linha apos linha malha apos malha e no fim encobres o vazio do teu ser com um tecido de palavras

o mundo para ti é um espelho quebrado cada palavra e um espelho onde avistas uma faceta de ti mesmo escreves quebrando as palavras para quebrar o teu reflexo e reescreves o mesmo texto para recriar o que es no teu espelho vivo de palavras

queres ser diferente dos outros e de ti mesmo queres ser outro porque sentes que es mais que isto

num livro por escrever gostas de te ver aparecer vives no teu espelho de palavras nao no mundo queres ser mais que es queres na folha branca com palavras ver outro eu queres ser a beleza que nao es e crias tens tantas palavras palavras para te ver

as palavras são como outro corpo para um morto da vida as palavras estão mais vivas que tu são elas que te escrevem devem-te a vida que te dão escrevem-te e tu descobres o teu reflexo dao-te vida vês que es o que es es no teu livro

no encruzamento do dado da língua e do que es es o teu livro deste-lhe forma dás-lhe outro nome e o teu nome é o teu pai e o teu filho na tua folha de papel o teu livro está livre de ti agora deixou de ser o prolongamento vivo do teu ser morto

agora é outro entre as maos dos outros e tu voltas a ser nada sem ele e a ter de recomecar a escrever o teu reflexo noutro livro para nao ser morto

samedi 26 février 2022

A paz é a sombra da guerra. E a Ameaça
Luz de prudencia. O homem tem
Só o que é. E o que passa.
O frasco é mais que o que contem.

O ódio e a fúria, o momento
Propício para dar o golpe fatal.
O princípio do bem é saber dar alento.
Tournou-se o princípio do mal.

Dia de caça. A caçador torna-se a presa,
E a presa é o caçador.
O campo de caça é o Amor.
Um dia matam-te, é uma certeza,

És o engodo e a embuscada.
O preço do sangue é o preço da graça.
Que bem retiras da caça?
A paz. Nada mais. Nada.

Herda-se a vida de mãos-mortas:
Não nos pertence, é do Senhor.
Entrecruzamos os dedos tortos
E rezamos preces de dor.

Travamos um combate à morte
Contra o nosso próprio corpo
E no fim batemos à porta
De Deus, que é a sombra dum morto.

A morte bate como um soco
A nossa porta, na nossa boca
Nos olhos abertos do louco
Na nossa alma e no nosso corpo

Quem apaga as nossas palavras?
Quem levanta a foice que lavra?
Quem manda ossos ao cão de guarda?
Quem sopra na vela que arde?



jeudi 24 février 2022

A vida promete e engana
Promete amor, ninguém te ama
Ninguém te escuta, ninguém te vê,
E quando escreves ninguém te lê.

Mandas gritos de solidão
Dentro duma caixa vazia
Que um eco parte, ou do caixão
Da campa do morto do dia.

Mandas um grito de aflição
Na violência A violeta violada
é o arco dum violão
Que arranha o silêncio quebrado

Que lacera o teu coração
Que guincha cada vez que bate,
Notas saiem com a tensão,

A corda estica até que parte.

Esta cidade é um labirinto.
Este dédalo cheio de gente
Cresceu além do seu recinto.
Entrou em ti, estende-se na tua mente.

Esta cidade, Teseu perdido,
É um labirinto sem saída.
O labirinto da tua vida.

Neste dedalo de terror
O fio de Ariadne é a tua dor
O Minotauro é o teu amor

No dédalo da tua mente,
Nas avenidas cheia de gente,
Dia após dia, homem de nada,
Puxas o fio da tua história emaranhada.

                              *

Todas as noites vou a Montmartre
Um bairro velho nas colinas
Com ruas tortuosas, praças pequeninas
Subo, desco, é um mundo à parte,

Vejo o Sacré-Coeur de Montmartre,
E o claustro dos Beneditinos,
No ponto mais alto das colinas
Vejo a cidade, é uma obra de arte

Milhares de luzes diamantinas
Brilham na noite, em toda a parte.
São cacos de ouro dos destinos

Das crianças que a vida parte.

mardi 22 février 2022

Escolhe bem se tiveres de fazer uma escolha.
Tudo na vida cabe numa escolha.
Eu, toda a minha vida cabe nesta folha.
Escrevo. Cada palavra é uma escolha.

Ser é escolher ou não escolher. E um acto perdido.
Escolhi. Escolhas sao sempre um rasgão.
Entre o passado e o futuro, entre o sim e o não.
Rasguei a meio a minha vida.

Escolhi. Escolhas são lâminas de aço
Cortam em dois quem fica mudo
Ganho, ou perda. Sucesso, fracasso.

Perdi. Escolhas determinam tudo. 

Escolhes uma opção possível, num crivo,
Entre mil outras opções possíveis
Num só verão, quantos verões? Num livro,
Quantos livros possivéis?

Repetiste algo. Que importa?
Numa vida quantas vezes se fecha
E se abre a mesma porta?
Um arco tem mais que uma flecha.

Esticas um arco de palavras. Atiras.
Inúmeras vezes, mentiras
São flechas tortas.
Atiras. Logo que acerte, que importa?

Gostas de escrever nas margens dos livros nas margens das folhas escritas das proprias cartas que escreves às pessoas caras tu es das margen...